mércores, 21 de agosto de 2019

Quina e o garoto

-Já ceaste? -disse, sucintamente, com aquela sua busquidão orgulhosa que era antes humildade, desejo de tolerância, apelo de harmonia. Ele ergueu os olhos, que se voltaram para a Quina, devagar, como se o entendimento tardasse em achar a direcção daquela voz, o sentido daquelas palavras. Eram uns olhos apagados, mortos, sem a sua radiosa expressão de malícia, e pareciam vasados e sem cor. Ela sentiu esfriar-se-lhe o coração.

-Então que foi? -pergunotou, agora cheia de alarme e mais curiosa, até do que perturbada.

Como resposta, o rapaz começou a chorar. Um homem de trinta anos que chora, ou é um imbecil ou é um poeta; a menos que uma dessas razões que desabam como uma avalanche sobre os temperamentos mais imutáveis venha convulsionar-lhe a alma, arrancando dela as comoções ais terríveis -mais terríveis, ainda por serem isoladas e surgirem num campo sem essa prevenção constante, proporcionada pela experiência do pessimismo, que é escudo do infortúnio e que melhor conhecem as mulheres. Quina compreendeu  que alguma coisa de único acontecera na vida daquele homem, e sentou-se defronte dele para o interrogar. O que soube deixou-a perplexa, tímida para julgar, e dorida por aquele lastimoso relato.
Agustina Bessa Luis: A sibila (p.132)

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